No Brasil, a renúncia à herança é considerada um direito personalíssimo e só pode ocorrer após a abertura da sucessão, ou seja, após a morte do autor da herança. Isso significa que, em regra, uma pessoa não pode renunciar antecipadamente a uma herança enquanto o dono do patrimônio (futuro autor da herança) ainda estiver vivo. Essa impossibilidade decorre do art. 426 do Código Civil, que veda contratos sobre herança de pessoa viva ("pacta corvina").
No pacto antenupcial, os cônjuges podem estabelecer regras patrimoniais relativas aos bens adquiridos antes e durante o casamento, mas não podem incluir cláusulas que impliquem renúncia futura a direitos sucessórios que ainda não foram adquiridos. O direito à herança só se consolida no momento do falecimento do autor da herança, quando o cônjuge sobrevivente poderá, então, optar por aceitar ou renunciar à herança.
No entanto, essa semana o CSM de SP permitiu que o casal inserisse uma cláusula que prevê a renúncia recíproca ao direito sucessório em concorrência com herdeiros descendentes, conforme previsão do art. 1.829, I, do CC.
Assim, os interessados renunciaram reciprocamente ao direito sucessório concorrencial, por meio de cláusula assim redigida:
“Os outorgantes e reciprocamente outorgados, falando cada um por sua vez, manifestaram o desejo de renunciarem, expressamente, de forma recíproca ao direito sucessório concorrencial, razão pela qual foram devidamente esclarecidos por este Tabelião que atualmente existe grande divergência doutrinária a respeito desta possibilidade sendo certo ainda que a jurisprudência do STJ considera nula essa cláusula por ferir norma de ordem pública, contida no artigo 426 do Código Civil. Mesmo assim, após todas as ciências, desejam deixar registrado que, se a época do falecimento de qualquer um deles, a doutrina ou a jurisprudência permitir, por entenderem não se tratar de pacto corvina, optam por, de fato e de direito, não participarem de futura sucessão um do outro, quando em concorrência com os descendentes ou ascendentes, restando afastada, assim, regra de concorrência dos incisos I e II do artigo 1829 do Código Civil, uma vez que ambos tem seus patrimônios totalmente separados um do outro.
Segundo o relator:
Na renúncia não se dispõe e nem se cria qualquer ônus sobre a herança. Apenas o potencial herdeiro abdica de tal qualidade antes da abertura da sucessão. O único óbice diz respeito ao próprio herdeiro, e não ao titular do patrimônio, qual seja, o de abdicar de avaliar quanto ao melhor momento da renúncia. Ao renunciar à herança, o renunciante abre mão de qualquer benefício que poderia ter com o falecimento do autor da herança. Ao contrário da pacta corvina, a renúncia à herança não deve despertar qualquer desejo de morte do autor da herança quando, do contrário, estaria em acordo com um projeto de vida e de planejamento familiar.
Continua, no futuro, caso o casal venha a se divorciar, a cláusula aqui discutida estará prejudicada. Na hipótese de falecimento de um dos cônjuges sem que haja concorrência com descendentes ou ascendentes (art. 1.829, I e II, do Código Civil), a cláusula também não produzirá efeito algum, pois a herança será atribuída por inteiro ao cônjuge sobrevivente (art. 1.829, III, do Código Civil). Já em caso de falecimento de um dos cônjuges, havendo concorrência entre herdeiros de primeira classe, caberá ao Juiz do inventário, na esfera jurisdicional, decidir acerca da validade da cláusula, sem afetar as demais disposições da separação convencional de bens."
Em 2023 o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo – proibiu a renúncia de herança em pacto antenupcial. Não foi provido o recurso contra a sentença proferida do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que manteve a negativa do registro da escritura pública.
A decisão teve como fundamento a doutrina de Pontes de Miranda, segundo a qual, no Direito brasileiro, não se admite qualquer contrato sucessório, nem a renúncia à herança. “Não se desconhece a controvérsia doutrinária sobre o tema, bem como a existência de alguns julgados em sentido contrário, mas o fato é que, no sistema dos registros públicos, impera o princípio da legalidade estrita, de sorte que, tal como se apresenta, o título não comporta registro”, consta na sentença.
Portanto, a recente decisão que permite a renúncia à herança no pacto antenupcial não assegura automaticamente sua eficácia. O registro do pacto não representa uma chancela judicial de validade da cláusula. Como ainda não há jurisprudência dominante que proíba ou assegure a validade dessa renúncia, mesmo que o casal opte por incluir tal disposição no pacto antenupcial, a eficácia desse ato será discutida e validada, ou não, judicialmente no momento da abertura da sucessão.
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