Existe separação de fato unilateral?
O filósofo Platão desenvolveu a teoria da dualidade, para ele há o mundo das ideias (mundo inteligível), e o mundo sensível (mundo material), basicamente o que percebemos pelos cinco sentidos, é apenas a realidade com a qual nos defrontamos em nosso mundo prático, e seria uma sombra imperfeita de uma realidade fundamental e perfeita, e tal perfeição somente pode ser alcançada através do intelecto, da contemplação das ideias/formas, e não através da observação sensorial do mundo físico.
Em "O Banquete", Platão faz uma série de discursos sobre o amor, que para ele era um impulso fundamental que transcendia o amor físico, o mundo material e que conduzia os indivíduos em direção à verdade e à perfeição.
Quem usou pela primeira vez o termo “amor platônico” foi o filósofo italiano Marsilio Ficino, no século XV. Para ele, esse amor seria focado na contemplação nas qualidades de uma pessoa, e não nas suas atribuições físicas (mundo material).
A expressão amor platônico sofreu uma distorção com o passar do tempo, E hoje é comum dizer que o “amor platônico” é uma relação na qual aquele que ama idealiza o outro: a pessoa amada é ideal e, portanto, inatingível. Há uma tamanha distância entre o sujeito e o objeto de seu idealizado amor, que o outro nem fica sabendo que é amado.
Há alguns dias virou notícia quando a esposa de um participante do BBB anunciou sua decisão de se separar, falou que está apenas aguardando o término do confinamento do participante para formalizar o divórcio. Em poucos dias ela se tornou uma "celebridade", inclusive, virou garota-propaganda, além de outras inúmeras monetizações.
Desse acontecimento, surgiu um questionamento : o participante do BBB teria direito aos bens que ela está adquirindo durante esse período? Após a declaração pública da separação de fato pela esposa, os cônjuges ainda teriam direito à partilha de quaisquer bens que venham a ser adquiridos?
O STJ já manifestou várias vezes sobre a separação de fato e a comunicação patrimonial, cabendo aqui destacar o voto do ministro Moura Ribeiro:
(...)Não há previsão da separação de fato como causa de término da sociedade conjugal. Ocorre que, como é sabido, o intérprete nem sempre deve se apegar somente à literalidade do texto da lei, necessitando também, ao realizar o seu juízo de hermenêutica, perquirir a finalidade da norma, ou seja, a sua razão de ser e o bem jurídico que ela visa proteger, nos exatos termos do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)", afirmou o relator.
A Corte Superior tem entendimento pacificado sobre o tema, estabelecendo que a separação de fato é a livre decisão dos cônjuges de encerrar a sociedade conjugal, e diante disso, cessa a comunicabilidade patrimonial, independente do regime de bens que rege a vida do casal. E apesar dos cônjuges permanecerem, no estado civil, casados, a separação de fato põe fim aos efeitos do casamento.
A dúvida sobre o caso que envolve o participante BBB partiu exatamente desse fato, os requisitos para configurar a separação de fato. Pois, no momento, apenas um dos cônjuges tem consciência da separação de fato (mundo material), o outro, no campo das ideias, continua casado.
Uma parte da doutrina entende que, para que ocorra a separação de fato, é necessário que seja tornado público. No entanto, é comum que muitos casais separem sem comunicar inicialmente a terceiros, inclusive, é muito comum, casais se separaram, mas continuarem por um tempo morando junto, geralmente buscando um novo imóvel.
Surge então a questão: ambos os cônjuges precisam estar cientes da decisão, ou é suficiente que apenas um deseje a separação? A divulgação pública do fato, por si só, é suficiente para configurar a separação de fato, mesmo que um dos cônjuges não esteja ciente da decisão?
Há aqueles que entendem que a decisão pela separação tem que ser conjunta, mesmo que um dos cônjuges não concorde, contanto que esteja ciente da vontade do outro.
Por outro lado, há situações como a da esposa do BBB, quando um dos cônjuges, como ela, decide unilateralmente pela separação, há aqueles que entendem que cessando o compartilhamento de afeto, cessa de bens.
Atualmente, muitos tribunais têm julgado parcialmente o mérito, ao decretar de forma preliminar, os pedidos de divórcios. Já alguns tribunais optam por negar o pedido, argumentando que o princípio da vedação à decisão surpresa deve ser respeitado. Argumentam que o cônjuge não deve ser pego de surpresa ao descobrir que está divorciado, mesmo que o divórcio seja um direito potestativo.
Quanto aos requisitos necessários para essa comprovação, eles variam de acordo com a análise do caso específico, pois cada situação é única e deve ser avaliada individualmente.
No entanto, não parece adequado comparar divórcio unilateral, com separação de fato unilateral, no divórcio, ainda que o outro não saiba, há a presença do estado, ao contrário da separação de fato, imagina adquirir vários bens e depois alegar separação de fato, apenas para evitar a partilha com o cônjuge.
Em suma, embora não haja uma previsão legal sobre a separação de fato, os tribunais têm uma interpretação consolidada de que, uma vez comprovada, ela será reconhecida e ocorrerá a cessação da comunicação patrimonial.
Referências
AZEREDO ,Christiane Torres de. O conceito de família: origem e evolução. 2020.
Platão. A República. São Paulo, Editora Scipione, 2002.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, op. Cit., pg. 289.
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