Segundo a última pesquisa do IBGE o Brasil tem 116 milhões de usuários de internet, 9 a cada 10 usuário utilizam aplicativos. Atualmente há aplicativos e ferramentas cibernéticas para ilimitados atos da vida civil. Deseja locomover, há um click tem a sua disposição um automóvel, quer paquerar o aplicativo lhe ajuda; está com fome basta acessar uma plataforma digital que em minutos tem uma pizza na sua mesa,mas antes de comer, porque não postar uma foto nas redes sociais!? Há as moedas virtuais, milhas aéreas, musicoteca, videoteca, biblioteca digital, e-book... Não há como negarmos, nos transformamos em uma sociedade virtual.
Diante disso, não poderia ser diferente, o mundo digital alcançou o direito sucessório e, com isso, surgem muitas dúvidas. Como por exemplo, quem tem legitimidade para acessar a conta e perfil das redes sociais,cancelar assinatura da Streaming de filmes e séries do ente falecido.
Há pessoas que desejam desativar as contas, evitando reavivar memórias e constrangimentos como os causados por notificação de data de aniversário, em contrapartida há aquelas que gostam de manter os perfis ativos, como uma homenagem ao falecido.
Ponto contínuo,o direito a privacidade persiste até após a morte, pois ainda que o falecido deixe de ser sujeito de direitos e deveres, não obstante, há proteção do Estado sobre os seus direitos individuais, tutelando seus direitos da personalidade como honra, imagem, intimidade, privacidade. Com base nesse entendimento, uma parte da doutrina entende que diante da dignidade da pessoa humana,a sucessão do bens digitais sem valor econômico causaria danos aos direitos da personalidade do falecido, assim, não poderia ocorrer a transmissão de tais bens sem a prévia anuência de seu possuidor.
Atualmente,diante do conflito, caso o provedor ou empresa da internet não autorize o acesso dos herdeiros, se faz necessário acionar o Judiciário.
No Brasil ficou famoso o caso da jornalista Juliana Ribeiro, que faleceu em maio de 2012, aos 24 anos, devido a complicações por conta de uma endoscopia. A mãe da jornalista tentou cancelar o perfil no Facebook diretamente pelo site,pois o perfil da filha lhe causava muito desconforto, porém não conseguiu. Diante disso, ajuizou uma ação contra o Facebook, mas perfil foi mantido mesmo após o pedido de tutela se deferido, sob pena de multa diária R$500 por descumprimento. Na liminar concedida consta o seguinte teor: “O perigo na demora está consubstanciado no direito da personalidade, tanto da pessoa morta quanto da mãe (art. 12, parágrafo único, do CC), sanando o sofrimento decorrente da transformação do perfil em “muro de lamentações”, o que ataca diretamente o direito à dignidade da pessoa humana da genitora, que além do enorme sofrimento decorrente da perda prematura de sua única filha, ainda tem que conviver com pessoas que cultivam a morte e o sofrimento.” A conta foi cancelada após a empresa ser notificada.
Também o caso do soldado americano Justin M. Ellsworth, morto no Iraque em 2004, em que sua família solicitou acesso à conta de e-mail . O acesso foi negado pela Yahoo sob o argumento de que o e-mail é uma comunicação privada e deve ser respeitada a confidencialidade estabelecida entre a empresa prestadora de serviço e o usuário.
Atualmente, o Facebook já disponibiliza ferramentas que permitem a indicação em vida de herdeiros, bem como a enumeração expressa da permissão ou não para que estes tenham acesso a dados e procedam à exclusão da conta. O Google permite a criação de um testamento digital possibilitando escolher após que período de inatividade da conta esta deve ser apagada ou o usuário pode escolher até dez contatos que receberão ao fim do período de inatividade, todas ou algumas contas do domínio Google. Na Netflix, caso não saiba os dados do assinante, é necessário enviar um e-mail com documentação para cancelar a assinatura, no Instagram qualquer pessoa pode informar a morte, pois é possível assim como Facebook fazer uma homenagem póstuma, no entanto, apenas parente direto podem pedir para cancelar, essa regra vale para muitos aplicativos, enfim, é impossível "enxugar" a lista, tendo em vista que existem mais de 5 milhões de aplicativos no mundo.
Em outro giro,há os bens digitais com valor monetário, como as bitcoins que invadiram o mercado, porém a moeda virtual não está regulamentada no Brasil. Na verdade, em nenhum lugar do mundo. Há projeto de Lei 2303/2015 tramitando na Câmara dos Deputados para incluir as moedas virtuais sob a supervisão do Banco Central.
A receita federal do Brasil equipara as moedas virtuais a ativos financeiros, sendo possível declarar no imposto de renda pelo seu valor de aquisição.
Portanto, nada mais justo que os herdeiros tenham direito, no caso do titular de moedas virtuais falecer, assim o inventário de seus bens também será composto por este ativo financeiro, cuja avaliação do valor de mercado deverá ser obtida na data do falecimento, sofrendo inclusive, tributação do imposto estadual causa mortis (ITCMD).
Sobre a transferência das milhas, como o benefício tem natureza patrimonial, em caso de falecimento, os benefícios recebidos devem ser transmitidos aos herdeiros, na forma prevista pelo Código Civil. Esse raciocínio aplica-se a todo bem digital de cunho patrimonial.
Estão em tramitação na Câmara dois Projeto de lei a PL 8562/2017 e o Projeto 4099-A/2012, que visa acrescentar ao Código Civil a definição da Herança Digital, e elencar o dever dos herdeiros quanto à destinação de senhas, redes sociais, conta de Internet, ou de qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido, senão vejamos:
Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes: I – senhas; II – redes sociais; III – contas da Internet; IV – qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.
Art. 1.797-B. Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos.
Art. 1.797- C. Cabe ao herdeiro: I - definir o destino das contas do falecido; a) - transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou; b) - apagar todos os dados do usuário ou; c) - remover a conta do antigo usuário.
O assunto ainda é novidade, a legislação é omissa, portanto,o aconselhável é fazer um planejamento sucessório, elaborar um testamento, tal instrumento tem por base a vontade do autor da herança, que tem que prevalecer sobre as disposições legais (por se tratar de um assuntos de extrema importância, é extremamente benéfico contar com o apoio de um advogado para compreender os pormenores jurídicos que envolvem esse tipo de documento).
Por fim, o testador poderá testar como que os sucessores deverão agir com as suas plataformas digitais, se suas redes sociais deverão ou não ser excluídas, assim como dispor sobre os bens digitais com valor econômico, neste último caso, desde que se respeitem os limites expressos pelas normas vigentes.
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