Em 1948 o físico Húngaro Dennis Gabor criou a holografia, o feito foi de tamanha grandiosidade que lhe garantiu o prêmio Nobel. Basicamente a holografia consiste em um processo de gravação e projeção de imagens, permitindo a reconstrução de uma cena em três dimensões. A luz proveniente do raio laser é dividida em dois feixes: o primeiro ilumina o objeto, que a reflete sobre o filme e o segundo ilumina diretamente o filme. Como o processo holográfico consegue guardar em cada ponto do filme a informação de todo o objeto, consequentemente se obtém diferentes perspectivas do objeto.
Sob esse tom, quem também protagonizou um grande feito foi o jurista Miguel Reale, ao desenvolver a teoria tridimensional do direito. Em rasas linhas, trata do diálogo entre o fato, valor e norma. Para o jurista o fato social incide sobre o prisma de valoração humana e se refrata na norma.
Ao Abordar o tema, Reale em sua obra Lições Preliminares de Direito expõe que:
“Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor.
Sendo assim, o Direito não é estático, é dinâmico, devendo sempre assumir sua característica ambulatorial, acompanhando a sociedade com intuito único de regular a convivência social.
Como por exemplo, essa semana o TJBA reconheceu uma relação simultânea. O homem teve três filhos com a “companheira”, mesmo número de filhos que teve com a esposa. Os irmãos, de mães diferentes, se reconheciam como tal e estudavam na mesma escola. Cada família sempre soube da existência da outra, tanto que os álbuns de fotos continham registros dos dois grupos familiares.
Diante disso, o tribunal garantiu 25% do patrimônio à “amante”. Segundo o magistrado “Finda a relação, comprovada a concomitância com um casamento, impõe-se a divisão do patrimônio acrescido durante o período de mantença do dúplice vínculo."
Em outra recente decisão o Superior Tribunal de Justiça decidiu que cláusula de inalienabilidade não impede doação do bem em testamento. De acordo com os autos, o falecido herdou oitos apartamentos, no entanto, devido ao seu alcoolismo, seu pai gravou os imóveis com cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, com o intuito que o filho não vendesse o patrimônio. Já na posse dos bens, em 1996, ele doou parte do seu patrimônio para sua companheira.
Depois que ele morreu, seus filhos alegaram nulidade, sob o argumento que os bens foram gravados pelo avô. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a nulidade sob o argumento de que o testador inicial (avô dos autores da ação) tentou garantir o patrimônio não só ao filho, mas também aos netos. Para o TJRJ, a cláusula de inalienabilidade impede a transmissão dos bens por ato intervivos. No entanto, para o STJ, as cláusulas de inalienabilidade têm duração limitada à vida do beneficiário, seja ele herdeiro, legatário ou donatário, não se admitindo o gravame perpétuo.
Nesses casos poderíamos aplicar tal teoria à herança? O fato seria o falecimento, o valor seria a transmissão de bens aos herdeiros e a norma o entendimento dos ministros ao darem provimento ao recurso da companheira do falecido?
O falecido viveu em união estável com a recorrida de 1977 até a data do óbito, tendo com ela um filho. Diante de inúmeros desentendimentos entre as partes, o processo já dura anos. Agora, quanto tempo duraria esse processo se as próprias partes tivessem um “olhar holográfico” sobre todo o contexto, duraria quase uma década?
Outro curioso caso foi de dois irmãos que não se falavam há anos, chegando, inclusive as vias de fato, tudo por causa da herança, uma casa. Um queria vender, o outro não, ambos alegavam não ter dinheiro, resultado, o inventário demorou tanto tempo que a casa ficou bem deteriorada, valor da reforma: um carro popular.
Já vi parte não querer o inventário em cartório sob a alegação que cartório não “vale “igual ao judiciário; já vi cônjuge não querer assinar a procuração para
um alvará de resíduos salariais, pois, segundo ele a procuração tinha palavras que ele não entendia, tive que mostrar o artigo 105, do CPC; já vi irmão viajar no dia da audiência, sendo que essa já estava agendada há três meses.
Mas, ao analisarmos de perto, se iluminarmos o objeto, no caso a intenção dos familiares, refletindo sobre toda a família; o problema será mesmo financeiro? Afina, qual o sentido em manter uma casa vazia, e no final ser obrigado gastar para conseguir vendê-la?
Qual sentido em adiar uma já atrasada audiência, que tinha como intenção conciliar sobre a partilha dos bens? Por que parar de falar com seu irmão, pai, mãe por causa de coisas materiais?
Foi com esse “olhar holográfico” sobre os processos, que o juiz Yulli Roter da Vara de Família e Sucessões de União dos Palmares começou a aplicar a constelação familiar. Tomou tal medida em um caso grave de ato infracional cometido por um adolescente: um estupro de uma criança de quatro anos.
No decorrer do processo, foi revelado que o adolescente que cometeu o ato de abuso também fora vítima do mesmo crime quando criança. “Me dei conta da complexidade do caso; passei a buscar outros métodos que não oferecessem apenas a sentença como solução dos conflitos, uma Justiça que preza pelo humanismo”, segundo o magistrado.
Salienta, a técnica da Constelação Familiar começou a ser aplicada na Bahia, em 2012, pelo magistrado Sami Storch, inclusive, ele que criou a expressão Direito Sistêmico.
Segundo ele, “as pessoas desenvolvem uma raiva e não percebem que isso está encobrindo uma dor. Na Constelação Familiar, percebem a dor do outro, não só as suas atitudes, e isso funciona como uma espécie de absolvição”.
Como o caso de um casal que tinha 25 processos. Eram ações de guarda, fraude na partilha de bens, pensão alimentícia, e até violência doméstica. Um mês após participarem da Constelação, o casal resolveu por acordo quase todos os processos em uma única audiência.
Atualmente a técnica vem sendo aplicada em vários tribunais pelo Brasil. No Estado de Goiás, o Projeto Mediação Familiar, do 3º Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania da comarca de Goiânia, conferiu ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) o primeiro lugar no V Prêmio Conciliar é Legal, promovido pelo CNJ.
O Ministério da Saúde incluiu a Constelação Familiar no rol de procedimentos disponíveis no Sistema Único de Saúde.Através das Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).
O fundador da técnica da Constelação Familiar foi o alemão Bert Hellinger, nascido em 1925, sendo recrutado e capturado pelos americanos durante a guerra. Após tal fato, entrou em uma ordem Missionária e foi enviado para África do Sul. Lá, conheceu a tribo Zulu, segundo ele, aprendeu outras formas de relacionamento familiar ao perceber como as mães cuidavam dos seus filhos.
Na visão de Hellinger, os pilares para evitar conflitos familiares são, respeitar à hierarquia familiar;de pertencimento, todos devem fazer parte do sistema familiar, sem haver qualquer tipo de exclusão e por último deve haver um equilíbrio entre o dar e o receber para que não haja um sentimento de dívida com o outro, deve ter um movimento, em que todos os membros da família se beneficiam.
Nas palavras do fundador da constelação familiar, temos que aceitar o passado e entender que ele não pode ser alterado. Devemos observar que grande parte dos nossos problemas e doenças estão ligados a outros componentes da família que passaram por situações semelhantes. Esse método consegue explicar porque existe uma repetição de acontecimentos entre várias gerações da mesma família.
A técnica ilumina a situação que reflete sobre os membros familiares, diante disso, conseguem enxergar a mesma situação, sob outros ângulos, tornando todos mais conscientes.
Por fim, sob a ótica de uma adolescente com elevado grau de consciência, que conseguiu olhar sobre toda a sua família, resume exatamente o descrito acima: “minha vó nasceu na rua e teve minha mãe, minha mãe nasceu na rua e me teve, eu nasci na rua e esse ciclo morre em mim.”
Para quem não conhece e quer ver na prática como funciona a constelação familiar, há no youtube vários vídeos, inclusive alguns feitos pela OAB.
Reale, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003.
Hellinger, Bert. Constelações Familiares. O Reconhecimento das Ordens do Amor. Editora Cultrix, 2007, São Paulo.
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