UA-123089393-2 Herança: Navegando pelas Águas Turbulentas da Sucessão.
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  • Juliana Marchiote

Herança: Navegando pelas Águas Turbulentas da Sucessão.




O inventário é um tema complexo, pois, a transmissão do patrimônio, de uma geração para a próxima, traz consigo uma série de desafios jurídico, financeiros e emocionais.


Há os regimes de bens que definem claramente a comunicação, ou não, do patrimônio, assim como há a hierarquia sucessória, nos termos do art.


Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.


Ainda, Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.


Não obstante a clareza da legislação, é frequente que as famílias se deparem com consideráveis ​​obstáculos. O trâmite do processo de inventário pode se estender por anos, na maioria devido à complexidade dos procedimentos, mas principalmente devido o litígio entre os herdeiros.


A ausência de um testamento ou de uma disposição prévia dos bens, além de retardar o andamento do inventário, provocar um grande dispêndio financeiro e o pior, conflitos entre os herdeiros.


A figura do inventariante é frequentemente motivo de disputas e controvérsias, na maioria devido à falta de informações claras que cercam essa responsabilidade, tornando-a quase folclórica. Ser inventariante não é um privilégio, mas sim uma obrigação.


Isso se deve ao fato de que o inventariante é obrigado a prestar juramento, exercer com diligência suas funções, gerenciar os bens do espólio de forma exemplar até a partilha, apresentar as primeiras e últimas declarações, identificar os herdeiros, representar o espólio em ações judiciais e extrajudiciais, obter certidões, disponibilizar documentos relevantes e prestar contas.


Caso não cumpra essas obrigações ou aja de maneira negligente, poderá ser responsabilizado por eventuais prejuízos e ser condenado a ressarcir o saldo devido, entre outros encargos.


O TJSC julgou um inventariante que ficou com parte da herança, foi condenado ao pagamento de indenização moral e material no valor de R$13,5 mil, acrescidos de juros e correção monetária. A decisão é da 3ª Vara Cível da comarca de Lages.


Outro motivo bastante comum que gera conflitos é o que chamamos de “herdeiro-cuidador”. Essa situação envolve aqueles que, por estarem presentes diante da fragilidade da saúde de um membro da família, cuidam, e acreditam erroneamente, que essa dedicação lhes garantirá algum benefício na sucessão patrimonial. Esse equívoco resulta frequentemente em desentendimentos familiares e no aparecimento de ressentimentos profundos.


Esses ressentimentos muitas vezes são obstáculos para o andamento do processo, pois a combinação de sentimentos de luto e desejos pode levar os herdeiros a idealizarem a vontade do falecido, resultando em tumultos processuais.


Há o "herdeiro-usucapiente", uma pessoa reside em um imóvel que faz parte do inventário, diante disso, independente do tempo decorrido, ela acredita que o referido bem lhe pertence exclusivamente.


Embora seja possível o herdeiro pleitear a usucapião, é necessário, segundo o Superior Tribunal de Justiça, que os outros herdeiros não apresentem objeções, e o herdeiro tem que está no imóvel por mais de 15 anos de forma exclusiva e ininterruptas.


O herdeiro-recebedor, é aquele agraciado com bens enquanto o titular do patrimônio estava vivo. Claro, existe a possibilidade de realizar doações, seja transferência de imóveis, dinheiro, veículos, desde que o doador não exceda a parte disponível do patrimônio e considerando o valor vigente no momento da doação, conforme estipulado pelo artigo 2.005 do Código Civil.


Às vezes, o que os herdeiros realmente desejam, não é receber a igualdade no quinhão, mas um gesto afetuoso, mas a ausência desse afeto, afeta como os herdeiros conduzem o inventário.


Se o quinhão doado provém da chamada legítima (que corresponde a 50% do patrimônio da pessoa), ocorreu a antecipação de herança, diante disso, aquele beneficiado, deverá levar esses bens à colação.


Ensina Dias (2020, p. 215):

Os herdeiros que recebem doações em vida, quando da morte do doador, precisam trazê-las à colação. Esta obrigação é imposta aos descendentes (CC 2.002) e aos cônjuges (CC 2.003) para igualar as legítimas. Isso porque doações dos ascendentes aos descendentes são reconhecidas como adiantamento de legítima (CC 544).

Caso não exista mais o bem, a devolução será feita sobre o valor estimado ao tempo da doação, para que a igualdade das quotas seja respeitada entre os herdeiros necessários. A colação é fruto de uma doação sem orientação jurídica.


Existe o "herdeiro-sem ocupação" que frequentemente desperta a indignação daqueles que dedicaram suas vidas ao estudo e ao trabalho, pois se veem obrigados a compartilhar a herança com aquele que não se esforçou da mesma maneira e, muitas às vezes, desfrutou de muitos mais benefícios. No entanto, é importante salientar que a falta de ocupação ou de uma carreira não invalida o direito dos herdeiros à parte da herança.


Outro fator que contribui para a morosidade do inventário, custas e tributos. Há a possibilidade de requerer a gratuidade das custas, assim como cada estado tem seus critérios para atribuir a isenção fiscal.


Os valores não recebidos em vida pelo falecido, correspondente a remuneração, rendimentos de aposentadoria e pensão, honorários, PIS, PASEP, FGTS, são isentos, porém, devem ser declarados para ser possível partilhar esses valores entre os herdeiros no inventário.


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é mais necessário apresentar comprovação de pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) no arrolamento sumário a fim de homologar a partilha de bens.


Os herdeiros continuam obrigados a demonstrar o pagamento dos devidos tributos. A partilha não será homologada caso exista uma dívida pendente, como, por exemplo, o pagamento do IPTU. As obrigações de quitar o ITCMD permanecem inalteradas, porém, agora, o imposto pode ser recolhido após a conclusão do processo judicial.


O Projeto de Lei 606/22 permite a realização de inventário e partilha extrajudiciais, por escritura pública, mesmo no caso de existência de testamento, menores ou incapazes.


Lembre-se de que o objetivo do inventário é distribuir os bens, considerando a vontade do falecido, alinhado à legislação vigente. Mantenha esse objetivo em mente durante todo o processo. Considere a possibilidade de contratar um mediador profissional. Reconheça que cada herdeiro pode ter uma conexão emocional diferente com os bens e respeite esses sentimentos. Evite influências externas, como a opinião de amigos ou parentes não envolvidos diretamente no processo.


Lidar de forma colaborativa e respeitosa é fundamental para minimizar conflitos entre os herdeiros, e permitir a celeridade do inventário. Reconheça que o processo de inventário pode ser emocional e desmoralizado. Tenha paciência e compreenda que todos os herdeiros estão lidando com a perda de um familiar. Muito além de ter como o objetivo a partilha de bens, preservar o relacionamento familiar pode ser valioso.

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