UA-123089393-2 O divórcio do empresário e a fraude na partilha de bens.
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  • Juliana Marchiote

O divórcio do empresário e a fraude na partilha de bens.

Instituto do Disregard Doctrine




Nos termos do Código Civil a partilha de bens é feita sob a égide do regime de bens escolhido pelo casal, sendo assim, escolhido regime diverso à separação, diante de um divórcio, os bens constituídos na constância do casamento/união (salvo algumas exceções) serão partilhados entre o casal.


No entanto, o empresário (a), independente do regime de bens, possui liberdade patrimonial, ele não precisa da autorização do outro cônjuge para vender os bens que integram o patrimônio empresarial.


O que torna o planejamento patrimonial importante, pois o casal escolhe um regime que sabe que ocorrerá a comunicabilidade de bens, ainda assim, é muito comum o cônjuge empresário (a) usar estratégias empresariais com intuito de sonegar bens à partilha, como por exemplo: alienação de ações e quotas repentinamente; compras em nome de terceiros, retirada de dinheiro de conta conjunta, pedido para assinar procurações públicas, doação, grava patrimônio através de ônus real, simulação de despesas, criação de holdings, são inúmeras artimanhas para retirar os bens do alcance da partilha no caso de divórcio.


Como ensina, Rolf Madaleno:

Empresas familiares são comuns na economia brasileira e quando algum de seus integrantes enfrenta processo de divórcio e põe em pauta de discussão judicial a partilha do seu capital social, repentinamente essas empresas alteram o seu tipo societário. Ao compulsar demandas discutindo divisão de acervo matrimonial, é prática usual deparar com cônjuges e conviventes empresários valendo-se de sociedades anônimas para acobertar e proteger patrimônio societário desviado da partilha conjugal.

Em outro turno, o Disregard Doctrine surgiu do direito anglo-saxão, em rasas linhas, é o afastamento temporário da personalidade jurídica, a fim de permitir, diante de fraude, que o patrimônio pessoal do sócio da empresa satisfaça a obrigação não cumprida.

No Brasil Rubens Requião foi o primeiro jurista a falar sobre o instituto, inclusive, traduziu a expressão, originando no termo “Desconsideração da Personalidade Jurídica."

Nas palavaras de Suzy Koury:

[...] a Disregard Doctrine consiste em subestimar os efeitos da personificação jurídica, em casos concretos, mas, ao mesmo tempo, penetrar na sua estrutura formal, verificando-lhe o substrato, a fim de impedir que, delas se utilizando, simulações e fraudes alcancem suas finalidades [...]

Nesta linha, há a disregard na modalidade inversa, ou seja, para garantir o cumprimento de determinada obrigação, diante da ocorrência de fraude, a responsabilidade será sobre a pessoa jurídica em função do ato cometido pelo"sócio-cônjuge."

Segundo Dimas Messias de Carvalho:

"Aplica-se a disregard no direito de família para coibir a indevida vantagem ao patrimônio empresarial do cônjuge ou companheiro em detrimento do patrimônio do casal, prejudicando o outro consorte. Não rara vezes o empresário utiliza testas de ferro, bens móveis e imóveis que adquire ou, até até mesmo retira-se ficticiamente da sociedade em coluio com outros sócios ou utilizando laranjas, a fim de afastar da partilha as quotas sociais ou o patrimônio do casal e, até mesmo, reduzir a demonstração da possibilidade da arcar com os alimentos as filhos."

Foi com esse entendimento que o Superior Tribunal de Justiça acolheu o pedido de uma mulher para que fosse autorizada a quebra do sigilo bancário de uma empresa, que tem como um dos sócios o seu ex-marido.


Para a ministra Nancy Andrighi o fato de a ex-esposa obter os extratos da sociedade empresária em nada prejudicaria o patrimônio dos sócios, mas seria medida necessária ao resguardo do patrimônio partilhado.


“É inarredável o fato de que essa circunstância, não raras vezes, também dá azo à manipulação patrimonial por parte do ex-cônjuge, sócio da sociedade empresarial, que, se valendo dessa situação ímpar, pode fazer minguar o patrimônio pessoal – imediatamente partilhável com a ex-cônjuge –, em favor da empresa, onde ele, a priori, fica indisponibilizado para o casal, mas que, sabe-se, pode ser indiretamente usufruído pelo sócio”, explicou a ministra."


Nancy Andrighi também destacou o entendimento que entendeu possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, no qual um ex-cônjuge empresário utilizou a pessoa jurídica por ele controlada para subtrair da mulher direitos decorrentes do casamento.


“Se é possível, em determinadas circunstâncias – e esta turma já confirmou essa possibilidade –, a desconsideração invertida da personalidade jurídica e toda a devassa nas contas, livros e contratos da sociedade que dela decorrem, qual a razão para que não se defira o pedido singular de quebra de sigilo bancário da pessoa jurídica, por óbvio, medida muito menos gravosa para a sociedade empresarial? ”, questionou a ministra. Por unanimidade, foi deferido o pedido de quebra de sigilo bancário.


Atualmente está em tramitação o projeto de lei 2452/19, proposto pela Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), que acrescenta §§ 2º e 3º ao art. 1.575 do Código Civil, que dispõem sobre a fraude na partilha de bens por ocasião da dissolução do casamento.


O PL prevê que aquele que fraudar a partilha havida por dissolução do casamento será punido com a perda total de direitos sobre o bem objeto do ato fraudulento em favor do cônjuge prejudicado.


Por tudo dito, a disregard esclarecerá sobre a existência ou não da fraude patrimonial, que poderá ser feita no próprio autos ou por incidente processual, sendo possível em qualquer fase do processo. Uma vez verificada a ocultação dos bens pertencentes à meação, utiliza-se mecanismos jurídicos adequado para que a partilha dos bens conjugais ocorra de forma lícita e justa.


REFERÊNCIAS

KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.


MAMEDE, Gladston e COTTA, Eduarda, Divórcio, Dissolução e Fraude na Partilha de Bens/ Simulações Empresariais e Societárias, 4ª. Edição. Ed. Atlas.


REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. vol. 1.


https://www.stj.jus.br/Terceira-Turma-autoriza-quebra-de-sigilo-bancario-em-ação-de-divórcio.aspx

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