UA-123089393-2 Quais são os reflexos patrimoniais na filiação socioafetividade?
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  • Juliana Marchiote

Quais são os reflexos patrimoniais na filiação socioafetividade?



É de conhecimento que a filiação socioafetiva refere-se à formação de vínculos familiares com base na afetividade, independente de laços consanguíneos ou de casamento.

Ademais, sabe que a partir do seu reconhecimento legal, seja pela via judicial ou extrajudicial, não há qualquer tipo de distinção entre os filhos biológicos e afetivos.

Para uma compreensão mais abrangente é essencial explorar diversos cenários nos quais os reflexos patrimoniais na socioafetividade se manifestam. Existem situações em que a paternidade biológica não é registrada, nesse caso tem a socioafetividade unilateral sem duplicidade no registro de nascimento, há a possibilidade da multiparentalidade bilateral, é o reconhecimento tanto do lado paterno como do lado materno.

E o cenário mais comum, a filiação socioafetiva unilateral, onde um indivíduo, já casado, estabelece uma relação de paternidade ou maternidade com a criança com base no afeto. Nesse contexto, a filiação biológica do pai ou da mãe é preservada, resultando em uma múltipla parentalidade de vínculos.

Muitos têm dúvidas sobre os reflexos patrimoniais na socioafetividade, ou seja, como o direito de Família deve lidar com as consequências econômicas das relações baseadas em laços afetivos?

PENSÃO ALIMENTÍCIA Da mesma forma que filhos biológicos têm direito ao recebimento de pensão alimentícia quando ocorre o divórcio dos pais, os filhos socioafetivos também possuem tal prerrogativa.

Já há decisões permitindo a cobrança de alimentos tanto do pai biológico quanto do pai socioafetivo. No entanto, parte da doutrina entende que, deve alimentos quem desempenha as funções parentais. Mas cada caso é um caso, devendo ser analisado em suas peculiaridades.

Pode o filho receber alimentos destes; mas também, na linha inversa, deverá o filho prestar alimentos aos múltiplos pais.

HERANÇA

A lei não dispõem especificamente sobre a sucessão socioafetiva, mas a doutrina e jurisprudência, sim, onde se reconhece de forma majoritária o direito à sucessão, tal qual o herdeiro biológico.

Carlos Roberto Gonçalves aponta que (2008, p.361):

“Com relação ao direito sucessório, todos os filhos concorrem, em igualdade de condições com os filhos de sangue, em razão da paridade estabelecida pelos arts. 227, § 6º da Constituição e art. 1.628 do Código Civil. Em consequência, os direitos hereditários envolvem também a sucessão dos avós e dos colaterais, tudo identicamente como acontece na filiação biológica”.

Importante elucidar, a sucessão socioafetiva não exclui a sucessão necessária (biológica), o filho herda dos dois pais ou duas mães. Assim como o contrário também pode ocorrer, isto é, direito dos múltiplos pais ou mães em relação ao filho.

Nesse sentido, consolidou o Enunciado 642 do Conselho Federal de Justiça na VIII Jornada de Direito Civil:

Nas hipóteses de multiparentalidade, havendo o falecimento do descendente com o chamamento de seus ascendentes à sucessão legítima, se houver igualdade em grau e diversidade em linha entre os ascendentes convocados a herdar, a herança deverá ser dividida em tantas linhas quantos sejam os genitores.

Flávio Tartuce, leciona:

"Com o reconhecimento da multiparentalidade, se o falecido deixar um pai biológico, um pai socioafetivo, uma mãe e uma esposa, os seus bens serão divididos entre os quatro, também em concorrência." (2020, p.1.706)

PREVIDÊNCIA SOCIAL

O tema mais controverso, embora o INSS não reconheça a filiação socioafetiva, há julgados favoráveis ao tema. O TRF 3ª Região julgou procedente o pedido de uma filha socioafetiva. O pai ingressou com o processo em 1990, pedindo aposentadoria por idade, direito reconhecido em sentença. Mas morreu, sua filha requereu habilitação para receber os atrasados, o que foi atendido pelo magistrado de primeiro grau.

Contudo, o INSS recorreu, alegando que o vínculo afetivo não prevalece sobre o biológico e a paternidade afetiva "é fruto de mera construção jurisprudencial, não estando fixado em nossa legislação pátria". Além disso, afirmou que na certidão de óbito constava que o homem era solteiro e sem filhos.

Em sede de recurso, a desembargadora declarou que o argumento do INSS de que a filiação socioafetiva é "mera construção jurisprudencial" não se sustenta, porque a jurisprudência é fonte do Direito e o que foi por ela firmado produz os mesmos efeitos decorrentes das normas legais.

“A realidade social exige que a proteção jurídica se estenda àqueles que, com base no afeto e sem vínculo biológico, constituem famílias, até porque laços fundados no afeto podem ser muito mais resistentes às armadilhas da vida que laços fundados nos liames, estes sim, ‘meramente’ biológicos e facilmente esfacelados quando submetidos ao teste das divisões de patrimônio”, declarou.

Assim, ela destacou que o Direito Previdenciário não pode se distanciar da realidade já reconhecida pelo Direito Civil e nem pode ser interpretado como um regramento totalmente divorciado do sistema jurídico nacional. “É direito social que tem por fim dar proteção, não podendo excluir aqueles dos quais o segurado cuidou como se seus filhos biológicos fossem”, afirmou a Desembargadora.

No que diz respeito ao acúmulo de pensões, também surgem divergências. Como já destacado, a filiação socioafetiva não exclui a paternidade biológica para fins legais. Isso implica que, do ponto de vista da previdência, um filho ou filha pode ser considerado dependente de dois seguros previdenciários, que podem estar vinculados ao mesmo regime ou a regimes diferentes.

O STF decidiu em sede de repercussão geral que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, salvo nos casos de aferição judicial do abandono afetivo voluntário e inescusável dos filhos em relação aos pais”.

Com base nesse precedente, alguns são a favor em acumular o recebimento de duas pensões. Sob o argumento que limitar tal prerrogativa seria restringir os efeitos da decisão judicial. Se não existe distinção entre os filhos, por que então haveria restrição de direitos? Há direito ao nome, pensão, guarda, sucessório, por que haveria limitações no âmbito previdenciário? Claro, diante do caso concreto, a possibilidade do INSS negar o acúmulo de pensão são de 99%, cabendo ao judiciário decidir.

Lembrando que, a lei 8.231/91, art. 74, § 3º, permite a habilitação provisória dos dependentes que tenham ingressado com eventual ação judicial para o reconhecimento de tal condição. Permite-se que, para óbitos ocorridos a partir de 19/1/19, o dependente que possua uma ação judicial para o reconhecimento desta condição, reserve a sua cota até a efetiva declaração judicial transitada em julgado, exclusivamente para fins de rateio dos valores com outros dependentes.

Por fim, importante frisar que a socioafetividade exige anos de comprovada convivência, sendo o indicativo de estabilidade nas relações familiares. Nesse contexto, alguns tribunais podem apresentar resistência em casos em que a motivação se baseia claramente em interesses puramente patrimoniais, seja no âmbito do direito sucessório, do direito de família ou do direito previdenciário.

DIAS, Maria Berenice. Multiparentalidade: uma realidade que a Justiça começou a admitir

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume VI: direito de família. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8.ed. rev, atual. E ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 1706.



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